- Bom dia.
- Bom dia. Em que posso serví-lo?
- Quero uma caixa de fósforos, por favor.
O vendedor Josias foi até a prateleira e procurou.
- Aqui está. Uma caixa de fósforos.
Jairo pegou a caixa e percebeu que ela estava vazia.
- Cadê os fósforos?
- Ah, o senhor quer os fósforos também ?
- Eu pedi uma caixa de fósforos!
Com cara de superior, Josias respondeu:
- E eu lhe entreguei uma caixa de fósforos!
Jairo, o comprador que entrou na venda para cortar caminho e tempo, não perdeu a paciência:
- Como eu faço então para ter os fósforos dentro da caixa?
- É só comprar os fósforos.
- E como se compra fósforos para a caixa?
O vendedor estava com menos paciência naquele dia, tinha tido uns arranca rabos com a esposa no café da manhã e adivinhou que o dia seria difícil. Tinha começado com aquele freguês:
- É só me dizer a quantidade que deseja!
Jairo suspirou:
- Ah, bom, então posso comprar uma centena, duas ?
- Sim, o quanto desejar!
- Bem, então quero duzentos fósforos.
Josias olhou para a caixa:
- Só vendemos 150 ou 300 unidades.
- Mas o senhor me disse que venderia o quanto eu quisesse!
- A norma da casa é esta, senhor.
Jairo, o freguês que cortou caminho para chegar cedo em casa, estava calmo:
- Então quero 300 unidades.
- Mas nesta caixa só cabem 150.
- E por que então já não me disse que nesta caixa só caberiam 150 em vez das 300 unidades que eu pedi?- disse Jairo, com um sorriso amargo.
É. O freguês era difícil, pensou Josias.
- Porque o senhor pediu 300.
- Mas eu pedi 300 porque você me disse que eu poderia pedir quantas unidades eu quisesse!
- E pode mesmo.
- Antes eu estava satisfeito com 200.
- Duzentos, não vendemos.
- Eu sei ! – Jairo tinha começado a perder a paciência, mas o vendedor era muito educado. – Então vou levar os 150 fósforos, por favor.
- Grandes ou pequenos? – perguntou Josias.
- Como assim?
- Se o senhor levar dos grandes, cabem 150 fósforos na caixa. Se levar dos pequenos, cabem 300.
- Mas...meu bom amigo, por que não me disse isso quando pedi os fósforos?
- O senhor pediu uma caixa de fósforos.
- Eu nunca soube que fósforos eram vendidos fora da caixa!
- Normas da casa, senhor.
O coração de Jairo palpitava, indignado:
- Pois então quero 300 fósforos, por favor.
- Dos pequenos, então?
- Sim, claro, dos pequenos...
- Pois não. Vou fazer a nota.
- Não, não preciso de nota, o dinheiro já está aqui... – e Jairo foi metendo a mão no bolso para pegar a moeda.
- É...preciso fazer nota, senhor. Normas da casa...
Josias pegou um caderno de capa dura e anotou o pedido. Ria internamente da ignorância do freguês. Anotou numa linha : 1 caixa de fósforos + 300 fósforos pequenos = 1 caixa de fósforos pequena. Na linha de baixo : valor do pedido : cada fósforo = 1 centavo, portanto : 0,01 x 300 = .... e pegou a calculadora.
Jairo acompanhou a anotação e riu :
- Amigo, não precida fazer a conta na calculadora, tá aqui ó, 3 moedas...
Josias olhou incrédulo para os olhos daquele homem difícil :
- Senhor, tenho que provar que estou fazendo a venda. São...
- ....normas da casa, já entendi.
- Pois é. – e, já sem paciência, passou a dedilhar os números na calculadora : - São 3 reais, senhor.
- Ah, que bom ! – disse Jairo, indo em busca das moedas com as mãos trêmulas. – Aqui estão...3 reais !
Josias pegou as moedas, colocou-as na caixa registradora e posicionou o bloquinho de nota fiscal no balcão.
- Não, não, não preciso de nota fiscal...- disse Jairo – basta a caixa de fósforos...
Josias olhou para um ponto qualquer além de Jairo, acumulando a paciência quase perdida:
- Senhor, como posso fazer o envio do pedido para o depósito se não detalhar tudo ?
- Como assim, depósito ?
- A norma da casa diz que temos 3 dias para efetuar a entrega do pedido.
Jairo sentiu a cabeça girar. Coçou a testa e respirou fundo :
- Quer dizer que não vou sair daqui levando a caixa de fósforos ?
- Não tenho como fazer a contagem e o empilhamento das unidades aqui na loja. Existem funcionários especialistas nisso, senhor.
- Especialista ? Em encher caixa de fósforo ?
Josias encheu o peito de ar e adquiriu ares de professor:
- Existe uma cadeia, no comércio, que talvez o senhor não entenda, senhor...?
- Jairo.
- Pois então, senhor Jairo, muito prazer, sou Josias.
- Prazer.
- O senhor chega na minha loja, estou aqui para recebê-lo e facilitar a sua vida. O senhor faz o pedido, eu o ajudo a comprá-lo, outras pessoas o entregam. Entendeu?
- Entendi, sim. Você facilitou muito a minha vida, Josias, mas agora está complicando. Por quê tenho que esperar 3 dias para receber a caixa de fósforos ?
- Porque são normas da casa, senhor.
Jairo perdeu a calma, deu dois murros no balcão, chamou o vendedor de filho da puta e saiu da loja falando que o mundo estava perdido, que nem comprar fósforos era fácil, que tudo estava se tornando muito difícil e, por último, já na porta da loja, virou-se para Josias ( que já empilhava mercadorias na prateleira, calmamente ) e mandou-o se foder.
Como estava muito puto, entrou no bar da esquina, entornou dois conhaques e afanou a caixa de fósforos do dono do bar. Foi preso e a notícia saiu no jornal do bairro no dia seguinte.
Josias, lendo a notícia atrás do balcão de sua loja, meneou a cabeça, chateado, e murmurou:
- É...com gente sem paciência é sempre assim. Logo vi que aquele senhor Jairo não era lá boa coisa...