Primeira fase de um relacionamento louco: rezo trinta vezes um Pai-Nosso aveludado, como quem dissimula um sofrimento inexistente. Não deixa de ser um apego. Ou um caso de fobia temporária. Ou um argumento próprio de quem não tem o que fazer. Opto pela última constatação e me esqueço de pensar em alucinações, pois o que acontece é bom demais, um código infantil que enlouquece o querer maduro. Vejo meu relacionamento comigo mesma como um tijolo, jogado no ar para intensificar o impacto da imaginação.
Segunda fase : quase um futuro. Não um futuro com bombas atômicas explodindo no ar; não um futuro de roupas verdes coladas nos corpos esbeltos de uma humanidade recriada para perseverar na busca científica das emoções do espaço; não um futuro orientado para a secura dos sentimentos ou para a inexpressividade do rosto descorado. Não.
Talvez esta segunda fase esteja ligada a mim mesma, ao que espero ser, algum dia, quem sabe.
Optar por não ter o que fazer soa até como uma fuga - pode ser que eu esteja cansada de imaginar que tudo o que quero não acontecerá amanhã pelo simples fato de não merecer nada... - mas não limita a minha capacidade de sonho, o meu modo de ser, a minha ideia em relação às coisas mais profundas e captadas a esmo durante uma aventura etérea.
Reconheço que, muitas vezes, as pessoas mudam, passam por problemas capazes de transformar borboleta em sapo, e talvez seja por isso a minha crença em poder, amanhã, dar tudo aquilo que pretendo, exijo, aconselho, calo ou desfaço hoje. Coisas que norteiam as sensações e buscam um deslimite total e lutam entre o cometer ou não um simples assassinato. Eu, se pudesse saber o que será melhor no amanhã, mataria tudo o que procuro direcionar hoje e tomaria outro rumo, só para conseguir ser feliz, só para conseguir viver em paz, trabalhar, ter a minha casa, cuidar dos meus filhos e ler livros para eles, ajudar as pessoas, comprar presentes, colocar flores nos vasos e ter uma tartaruga de estimação. Ou uma lesma.
Tudo, enfim, para digerir uma oportunidade, consentir um abraço em hora errada, derreter o gelo dos momentos de não-rede e dedicar ao meu lado sentimentalóide um aconchego repentino, um amor de esguelha, um beijo furtivo antes de fechar a porta.
Na terceira fase, tendo toda uma vida para trás e ainda pela frente, tento me despedir das agonias, das tensões, do sossego partido, do pensamento esfíngico e da perseguição aos porquês e crio uma espécie de base, uma estrutura na qual sobreponho a porção apreendida durante tanto tempo e não temo mais o que antes temia; não me aborreço com alusões sobrenaturais em relação ao que sou e deixo de ser, por motivos estes ou aqueles.
Deixo no ar apenas o que sai de mim, o que transpiro pelos poros, o que escorro do pensamento tranquilo por chegar onde estou. Isto é daqui a algum tempo.
Talvez eu pense assim - é o que quero, é o que espero, é o que norteio. É a minha busca, essa tal que me alucina de vez em sempre, que me puxa para dias de descontentamento ou de extrema felicidade, que confronta alguma sutileza com a certeza da escabrosidade do minuto seguinte, que corrompe o meu olhar seguro para torná-lo ora cômico, ora doente, ora patético, apático, apenas simbólico.
Nesta terceira fase, apreciarei meus defeitos, silenciarei minhas virtudes e serei calma, sem abismos, honesta para comigo mesma, pois já terei separado as arestas e encontrado o sapato certo para trilhar o caminho.
O tijolo será um bumerangue dócil - voltará para as minhas mãos sem que o impacto seja tão grande - e a imaginação não sofrerá tanto a ponto de não me deixar viver essas fases com a leveza e seriedade a que me proponho.
Agosto/1984