ENTRE HOMENS E BIOGRAFIAS
ENTRE HOMENS E BIOGRAFIAS

Biografias são textos escritos por pessoas que conhecem ou pesquisam para conhecer a vida de uma pessoa famosa, baseados nas bizarrices e genialidades cometidas pela mesma. Boa definição? Se não for, é o que penso. Não imagino um cidadão comum sendo alvo de uma biografia. Pessoas comuns não prometem revelações ou indagações que reacendam a opinião pública. Pessoas comuns não influenciam gerações nem atravessam o tempo com suas obras, até porque suas obras se resumem a feitos comuns, que de comum temos a grande maioria.

A discussão que se faz em torno das biografias é um tanto estranha. Não fossem elas, pouco conheceríamos de fases históricas e relevantes da população ao redor do mundo, pois toda a carga emocional vivenciada pelo autor está intimamente ligada a sua obra. O ímpeto da criação envolve cenários contundentes da educação, do ambiente em que se criou e da influência que teve o gênio que nos lega sua arte.

O famoso só adquiriu este adjetivo porque se firmou na sociedade como uma pessoa capaz de representá-la através de seus feitos e quando passou a ser citado como ingrediente fundamental no processo cultural. O famoso adquiriu este adjetivo porque participou de um contexto na sua história pessoal, parecida com a de muitos de seus contemporâneos, e conseguiu fazer arte disto. Cumpriu o ofício de representatividade com a sua voz, seus poemas, seus livros, seus filmes, seus personagens, seus arranjos musicais.

Todo gênio tem suas mazelas, como qualquer ser humano. Ninguém culpou Noel Rosa pelas suas noites de bebedeira ou por morrer tão cedo. Nelson Gonçalves era viciado em drogas e gago, com aquela voz maravilhosa. Sabemos de escritores histéricos, de cantores com problemas familiares, de pintores com filhos que nunca conheceram, artistas cujas amantes lhes deram a melhor música, o quadro mais valorizado, o poema mais bem escrito. Duvido que alguém julgue um gênio pelas suas investidas negras da intimidade mais do que julgue a sua criação. Um gênio se julga pela sua contribuição, não pela indisposição em laços que entendemos como normais. Um gênio não é lá muito normal. É assim que gostamos de idolatrar nossos gênios indomáveis.

Pelo que conheço em foto, Einstein não gostava de pentear o cabelo. E se eu lesse que ele não tomava banho, ou era viciado em ópio, ou que deixou de pagar a conta da padaria, ou que fazia suas experiências pelado em seu laboratório ?  Eu riria desbragadamente e acharia natural que algo de enlouquecedor nutrisse aquela alma genial !

Nada desabona um artista, a não ser a utilização de sua arte para ludibriar pessoas.

Além do quê, para se contrapor à biografia, existe a autobiografia ! Se há calúnias no texto, há também a Justiça e a autobiografia  ! Pois que livros virem armas de duelo, um defendendo, outro tripudiando, e assim teremos cultura ; teremos uma nova  fase de descobrimentos sem caravelas nem Colombo;  um Renascimento das artes sem um Michelangelo,  a volta de um Iluminismo sem Voltaire, mas com uma enciclopédia iluminada de debates. Aliás, Michelangelo era bonitão e transava com seus modelos – será que isso faz com que alguém deixe de visitar a Capela Sistina ?

Convenhamos que repensar conceitos não tira pedaço. O ditado popular “de louco todo mundo tem um pouco” não serve apenas para ser dito sem reflexão. Refletir sobre a loucura e posicioná-la como um abismo não soluciona, mas empobrece a arte em si.  Discutir se beijo é técnico ou não na novela é tirar da arte o que ela tem de louco : vibrar o sentimento, acalentar a ilusão, nutrir o sonho do espectador!  Escutar uma música do Chico Buarque ou do Caetano e analisar as suas posturas é como entrar num mundo de possibilidades infinitas. Entrevemos nas suas letras muito mais do que casamentos e descasamentos, passados inglórios ou namoricos da terceira idade.

Acho que a Marieta está fazendo falta ao Chico. E a Paula Lavigne conseguiu transformar o Caetano num homem de negócios.

Acabou a inspiração.