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NATAL ESTRANHO
NATAL ESTRANHO

Estranho.O espírito de Natal ainda não baixou. Houve tempo em que se desejou "Feliz Natal" desde o fim de novembro, numa empolgação frenética de compras de quinquilharias para montar a árvore e, no ar, ainda havia aquela tortura da competição para quem achava a bola mais louca, a definição das cores do papel que iria reembalar os presentes, e quem tivesse mais trabalho ganhava um prêmio pessoal. No fundo, todo mundo achava que a própria árvore estava mais linda que todas. 

Não recebi nem desejei nenhum "Feliz Natal" até agora. 
Acho que a data precisa ser renovada. As quinquilharias já deram o que tinham que dar. Os presentes estão repetitivos; a imaginação caiu. Há de tudo para todos os gostos, mas nada que empolgue verdadeiramente, nada que que dê uma levantada no astral da época que deveria ser a mais festejada. Acredito que isso aconteça porque passaram  a existir muitas datas para comemorar alguma coisa - Jesus deixou de ser " o " festejado para ser mais um. Tem dia da mulher, do negro, da criança, do engenheiro, do advogado, do dentista, do médico, da fonoaudióloga, do psicólogo, dos animais, do índio, do empresário, dos santos, da árvore; tem os dias que viram feriados longos e que nem servem para comemorar, mas para ser uma folga dos dias comemoráveis. Todos já temos o nosso dia de nascimento, festejado enquanto transitamos pelo planeta. Bastava ele. Do mesmo modo que Jesus, nascido no controverso 25 de dezembrodo ano I , desde que o calendário foi mudado, suficiente seria comemorarmos os nascimentos e ponto. Teríamos tempo para esperar o Natal com folga, com preparativos especiais para a união dos nossos parentes e amigos. Mas não é assim e a coisa vai longe. 
Nos últimos tempos, a vizinhança foi minguando os enfeites natalinos dos prédios. Aquela competição destrambelhada, com luzes tomando conta da fachada das casas e renas e trenós pastando nas gramas verdinhas pelas chuvas de dezembro encobertas pelas bolinhas de isopor imitando neve, acabou. Ruas inteiras se transformavam numa miniatura da vila de Pinóquio no inverno, mas não este ano. Tem sim, uma luzinha ou outra pendurada aqui e ali, não mais elaborada pelo olhar esteta de moradores dedicados, mas desentulhadas do depósito pelo zelador e esticada como varais entre as duas únicas árvores do jardim do condomínio. E percebe-se que são as luzinhas que sobraram do ano passado. Caos.
Estranho é sentir o desânimo assolando os semblantes e, ao mesmo tempo, o esforço imensurável de se fazer um guerreiro que avança bravamente, lutando e sobrevivendo às lutas do dia-a-dia. 
Lá no fundo, no entanto, sei que a partir de amanhã a coisa vai mudar. Já vou acordar animada e desejando o primeiro "Feliz Natal" a mim mesma, olhando no espelho com um grande sorriso e com o cabelo espetado. Ao primeiro morador acordado da casa, desejarei o segundo "Feliz Natal " e assim por diante. Acho que ficarão felizes - mexerei com a emoção de todos - ou perguntarão se estou bem. Já a partir de amanhã, os guardanapos serão vermelhos e terão um Papai Noel sorridente chicoteando um rena no seu trenó. Desenrolarei pessoalmente o restante dos milhares de metros de luzinhas chinesas insuportáveis de se lidar - mas lindas de ser ver - e porei o mundo iluminado, estirando varais pelo apartamento todo. Enfeitarei a alma penada dos habitantes do meu lar e sentirei a transformação acontecer. Me enfiarei num vestido de flores imensas, que sempre guardo para ocasiões de júbilo interno e súbito e vou, a partir de amanhã, começar os festejos antecipados do Natal, aqueles que iniciam a compra dos presentes, dos apetrechos que alegrarão meus convidados na festa de final de ano, a troca da mobília de lugar, o embelezamento da mesa e combinação dos pratos para a ceia. 
Amanhã, os passarinhos que ciscam na jabuticabeira de vaso pousarão na minha mão, esquilinhos aparecerão do nada e reservarei o jardim de inverno para espalhar a neve fake de isoporzinho pelo chão. 
Estranho.