Assim diz Rousseau : " A família é pois, se assim o quereis, a norma primitiva das sociedades políticas: o cabeça é a imagem do pai, o povo a dos seus filhos; e havendo todos nascidos iguais e livres, só a proveito comum alienam sua liberdade. A diferença toda é que na família o amor que o pai tem aos filhos paga os cuidados que ele lhes dispensa; e no Estado, o júbilo de governar supre o amor que a seus povos não dedica o maioral político ".
Na longa trajetória de reveses pelos quais o século XX passou em termos de mudança e experimentos de regimes governamentais, obtivemos um relevante processo de amadurecimento. Nascemos num século abarrotado de revoluções, guerras, transformações sociais e aprimoramento dos conceitos econômicos que somente guerras e inadequações políticas conspiram para tal andamento.
A legitimidade das ações dos governantes, seja no regime comunista , seja no capitalista, impôs o ritmo que desmistificou as relações econômicas e projetos sociais na concretização do sonho socialista , no primeiro, e dos negócios particulares, no segundo.
Desta forma, aos tropeços e renegando experiências dos dois lados, chegamos ao consenso da queda do muro de Berlim e à abertura do capital na China. Por uma infeliz questão geográfica e a sistemática preocupação norte-americana em vencer o mal do planeta, Cuba não resistiu com seus ideais em função do embargo a que ficou restrito. Na esfera de trocas de bens e serviços a que todas as nações estão sujeitas para que a sua economia seja fortalecida e seus problemas sociais resolvidos em prol da felicidade de seus povos, a China comunga do capital e do comum para crescer.
São experiências que vemos fluir no mundo, com o propósito de um jogo de xadrez, onde as peças são movidas até que se tenha um vencedor. Nesta controversa realidade onde o poder se manifesta mais pelo poder e a vontade do povo não tem vez, o abuso dos governos assola, como se não tivéssemos saído do feudalismo, onde a degradação do homem era decisiva.
Num claro futuro, é passível que se desdobrem novas misturas no cenário da governança. Em quaisquer delas, que sejam relevantes os projetos que elejam o cidadão como o maior detentor dos direitos básicos para a sua felicidade. Que seja dado, ao cidadão, seu direito ao estudo, à saúde, ao trabalho, à boa vizinhança, à moradia - com todas as obras de infraestrutura que um governo digno tem o dever de prover - ; que lhe seja dado, enfim, o direito de realização do sonho de se transformar, através da liberdade legítima e da coerência dos seus governantes.
Um governante não é o pai da família, que tem amor pelos filhos, mas deve ter a grandeza de não usurpar nem corromper o ideal de fraternidade que nutre o homem.
As mudanças a que os sistemas políticos atuais estão sujeitos nos revela que, sem nenhum apetite para o que hoje vige, há uma tendência para o desenvolvimento de uma sociedade onde o bem comum se concretize.
As estruturas que até hoje se beneficiaram com a propriedade, em detrimento dos fatores que levariam ao progresso social dos indivíduos, está em decadência.
Neste exercício de sonhar com uma estrutura que remonte aos ideais filosóficos de tantos que se dedicaram a fazer prevalecer os direitos e deveres para o desenvolvimento da humanidade, incluir nos dias de hoje - em que se vive o transtorno próprio da transformação - a discussão sobre os valores esquecidos ao longo do tempo é o verdadeiro sonho dos idealistas. Nada mais colorido do que tentar inventar meios e fins para cada notícia que chega dos confins ou até mesmo do que está ao redor : as relações internacionais, as questões religiosas que ainda movimentam o nosso mundo delicado, os efeitos mesquinhos da ainda tribal organização dos seqüestradores de meninas, a bipolaridade dos engenhosos caminhos da economia.
Somos todos servos na pirada geografia feudal ; brinquedos no tabuleiro das ignomínias políticas ; desorganizados predadores da nossa própria relevância no cenário onde deveríamos deter o papel principal.
Buscar a inteligência para criar um mundo imaginário e lutar para que as negligências não perdurem é o ato de grandeza que nos cabe, sem a caricatura do deslumbre por um salvador, sem os estereótipos já visitados.
Acredito que este mundo vem caminhando a passos largos.
2015