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O SÓSIA
O SÓSIA

 

Em Toronto, o dia terminava com o céu ainda absorvendo os raios do sol que se punha e a noite surgia sem pressa. A lua competia com os holofotes estrategicamente colocados à porta do teatro, iluminando o tapete vermelho por onde passariam os astros da noite. Ao redor, a multidão esperava ansiosa por este pretenso encontro com os grandes do cinema mundial.

Dentre aqueles que atravessariam a platéia endoidecida e munida de máquinas fotográficas, estaria o casal 20 da atualidade : Brad Pitt e Angelina Jolie.

Para os olhos de muitos, aquilo era uma estréia e o aparato nada mais que natural para pessoas que vivem do cinema. Para Bonilha, no entanto, era o encontro com a sua vida que era para ser e nunca foi.

Bonilha sonhava ser ator.

Bastou que os anos passassem para que percebesse que os caminhos que se apresentavam a sua frente não o levariam exatamente para esta vida de glamour. Nunca se deu por vencido,no entanto. Cinéfilo, assim que pôde passou a viajar para lugares onde as filmagens de seus filmes preferidos haviam sido feitas. Adotou Alain Delon como seu sósia e trocou as próprias fotos pelas do artista. Ao entrar em seu gabinete de trabalho, ninguém vê Bonilha nos porta-retratos, mas Alain Delon.

Viajou muito, catalogou restaurantes onde Natalie Wood, Marlon Brando, Audrey Hepburn jantaram. Visitou o Coliseu não somente pela história, mas também porque foi palco de vários filmes – e neste dia, especialmente, andou tanto e percorreu por tantas vezes os cadafalsos e corredores obscuros que acabou tendo uma dor de barriga monumental e teve que se aliviar num arbusto, a poucos metros das ruínas. Viagem nunca esquecida.

Bonilha é um homem inteligente e cheio de vida. Poderia ser muitas coisas, pois tem alma de artista. Gosta de aparecer e de conversar sobre tudo. É um homem alto, galanteador e de olhos azuis. A idéia de querer ser ator não surgiu à toa, mas de seu sonho de fazer um musical. Broadway o deixa nervoso. Nova Yorque o deixa trêmulo e conhece a cidade como a palma de sua mão. Sabe as ruas que cruzam com 42, 36 e etc com as avenidas todas. Assim, com toda esta verve artística, cresceu o Bonilha vaidoso e apaixonado por casacos e calças. Tem toneladas deles e cada loja vira um palco onde se manifesta a engrenagem cinematográfica que o impulsiona na vida.

Bonilha é um conhecedor da arte.

Nasceu e cresceu numa cidade pequena e ainda guarda o sotaque caipira, mesmo vivendo há milênios em São Paulo. Conta histórias de menino, de quando ia para a casa de um amigo e a mãe oferecia doces comuns, mas com nomes requintados, o que fazia da sobremesa um banquete. Esta e outras é que o fazem ver a vida de uma forma diferente, lúdica e colorida, como num filme.

Casou com uma sósia de Catherine Deneuve. Gostava das pernas dela e nunca se importou que usasse minissaia. Teve filhos que cresceram como se em casa de artista tivessem nascido e os educou com a chama libertária que sempre aqueceu a vida em família. Bonilha é uma pessoa a ser estudada, pois está sempre atualizado com tudo e sobre tudo e todos.

Já chegando à aposentadoria, não se aposenta do cinema nem de sua rotina de homem livre, quando mostra no trabalho a garra pela defesa dos direitos humanos – é onde documenta os valores políticos e sua qualidade de homem bom.

Naquela paisagem linda de boca da noite à frente do teatro onde desfilaria a fileira de astros hollywoodianos, Bonilha, repentinamente, se esquivou da multidão.

De longe, os holofotes ainda iluminando partes de seu cabelo grisalho e o casaco de couro verde, dava para vê-lo saindo de fininho do meio da gentalha esprimida. Aonde iria? O seu palco ali, o tapete vermelho estendido praticamente aos seus pés, a gritaria envolvente do povo em busca dos seus ídolos e , sempre e justo ele, querendo o povo gritando seu nome, o palco sob seus pés, as luzes cobrindo o seu corpo e as cortinas levantadas para o primeiro ato – aonde iria ? Perguntado pela esposa, já bem longe do burburinho, profetizou, preocupado:

- Vai que me confundem com o Brad Pitt ?...