A natureza humana delineia seus moldes nos pequenos e grandes acontecimentos. Diante dos quadros que mentalmente movemos no arquivo histórico de que dispomos, as marcas da travessia - através da qual impusemos os moldes evolutivos – parecem estar sendo repassadas.
As marcas bíblicas, que nos fazem crer termos vivido cada passo delas, de tempos em tempos retornam no cenário da vida de hoje, abduzidos que somos pelas imagens que a televisão nos traz, diariamente.
São imagens de um mundo que parece ter estado à margem das revoluções artísticas, intelectuais e científicas que marcaram as etapas ocidentais de enriquecimento da vida nas cidades e no campo. A impressão que se tem é de que as cenas cristalizadas pelas histórias contadas na Bíblia continuam nos caminhos pedregosos e desérticos dos refugiados de uma guerra intermitente, no Iraque. A impressão é de que o Oriente Médio é uma região estigmatizada, movimentando suas areias e seu sangue ainda por valores que já deveriam ter sua cota de evolução.
Todas as ideias e doutrinas, religiões e planos tendem a se reformular com o tempo. Os povos se unem e reconduzem o rebanho, aliviando sanções impregnadas de tradicionalismos, para um bem maior. Não cabe em cabeças pensantes que a roda gire sem a ajuda de um lubrificante. Não nos cabe distinguir a lacuna entre o certo e errado, pois nesta lacuna não há bandido, não há mocinho – há uma turba enfurecida tentando explicar que tem mais razão que o outro. Há um padrão lógico que não combina com os procedimentos usuais de boa vizinhança. A religião e o fundamento a que se impõem israelenses e palestinos para chegarem a um termo sobre quem tem direito ao naco de terra é menos provável do que a usucapião no modelo que conhecemos.
Os melancólicos anúncios de cessar-fogo geram uma expectativa quase infantil, em termos de século XXI, de que um grupo de meninos pare de brigar porque a bola furou e o jogo acabou. Esta parafernália de guerra, medidas de contenção provisória de uma paz inexistente, inverte os valores e faz ressuscitar episódios de violência contra judeus nos países europeus. Nada mais assustador do que rever antagonismos entre origens. Com que direito odiar povos, delimitar o pensamento religioso, injetar a intolerância no seio de uma civilização que teve tempo e lições para aprender?
Israel e Palestina em franco confronto, Iraque expondo suas entranhas tribais e impondo a doutrina ou a morte. Entende-se que uma região de história milenar, onde civilizações de riqueza material e intelectual se sobrepõem nas profundezas arqueológicas, deveria saber bem mais de luta e intolerância e legar ao mundo a compreensão e o discernimento.
Mas as novas empreitadas islâmicas e seus modelos reciclados e atuantes flutuam e perseguem curdos, que também foram perseguidos e massacrados por Saddam Hussein, que teve pena capital, o que torna toda a estrutura e dinâmica de perseguições um eterno genocídio.
No caso de Israel, Ytzak Rabin foi assassinado porque apertou a mão de Yasser Arafat, da OLP, porque deste aperto de mão sairia um tratado de paz nas terras que lhes cabiam. Nada parece dissuadir os interesses tribais de povos que seguem em conflito eterno.
As Cruzadas persistem no modelo feudal com o vai-e-vem de militares americanos que ora ajudam, ora atacam. São os novos senhores de terra arrebanhando seus vassalos para a perseguição aos que negam o cristianismo. O processo histórico de atitudes impensadas perdura nas inquietantes negociações que se intrometem num reduto de lutas intestinas e em nada convencem para que a paz seja estabelecida.
No resumo sem fim, estaríamos mais bem servidos em um mundo sem fronteiras.
A violência travada nos palcos da Ucrânia, um país mal resolvido, dividido e de novo juntado em tratados de alta cúpula sem que houvesse o consenso popular, trouxe de volta a incompatibilidade de opiniões de diferentes povos. A violência psíquica e física adoece a humanidade, que sofre as consequências da própria ganância e da moral entorpecida.
Na fração de entendimento que nos cabe, desmemoriados de guerra que somos, fica a sutileza de navegar pelos escombros do que nos parece mais lógico na condução histórica e divergir em opiniões, sem que delas extraiamos uma solução que finde o círculo vicioso das nossas anotações mentais.
A Terra dá, sim, suas voltas ao redor do sol. Gira, também, em torno de si mesma. Intrigante é notar que, após tantas civilizações e tantos embates, continuemos a girar em torno do mesmo conflito, esquecendo-nos de que um giro mais longo e menos mesquinho nos traria dias mais ensolarados.
SP, 15 de agosto 2014.