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PEQUENOS NO ASFALTO
PEQUENOS NO ASFALTO

 

 

O menino pulou na frente do carro primeiro.

Gordinho e bochechudo, sorriu para os pauzinhos que tinha nas mãos e se aprumou.

Uma menina magrinha veio correndo e pulou com os pés, numa sabedoria de circo, nos ombros do menino gorduchinho. Também segurava uns pauzinhos nas mãos e logo se ajeitou, de pé, num equilíbrio de circo, empurrando do rosto, com os braços, os cabelos crespos de algodão doce de açúcar mascavo.

Correndo, sem fazer nenhum malabarismo, uma outra pequenina olhava todos os movimentos dos talvez irmãos.

Não, não era um circo. Era o possível do que três minutos de tempo do sinal vermelho pode arrecadar para um grupo de crianças arriscando-se nas ruas. Era um trabalho. Foram treinados para isso. Parecia uma brincadeira, mas tinha o profissionalismo dos que vivem das ruas. Os três pareciam alheios aos personagens dentro dos carros – meros espectadores; não tinham vergonha da apresentação de circo mal ensaiada ; e, pior, nenhum medo de se aboletarem, depois de terminada a cena e nenhum dinheiro recolhido, na ilha estreita que divide a avenida imensa.

Coisa de circo.

Três minutos que discorrem vidas.

Três minutos em que, através dos olhos que vêem e a mente que desenrola a trama, são postados no cérebro imagens de família, escola, direitos.

Nada disso perfazia a aura daquelas crianças.

Vestiam regatinhas, chinelinhos e bermudinhas numa sensação térmica de 17 graus.

Os cabelos eriçados  e despenteados, com alguns elásticos coloridos pendurados nas pontas, lá no topo, mostravam que alguém tentou pentear alguém. Talvez a mãe, grávida de quase 9 meses, arrumando os meninos para o trabalho. E o pai, esperto e, ao mesmo tempo, vítima do mundo, terminou por levar os garotos para o ponto do circo. Ele, o pai, deve ter voltado para casa, um buraco qualquer com divisórias de eternit e restos de tábuas.

O que fazer com este caos implantado numa metrópole?

Como imaginar uma vida paralela, onde vivem estes seres de intensa carga neste planeta de provas árduas, e sair por aí entediado, sem perceber o infortúnio que o mal direcionamento moral da coisa pública acaba gerando nestes pobres infelizes ?

O sinal abre e os três, pulando feito cabritinhos no mato, aboletam-se na ilha e brincam, sem olhar para ninguém. Criança tem esta qualidade : cria um mundo particular e aguenta passar por tudo. Mas, o que será que será destas e de outras por aí ?

Sou novinha, ainda vou viver para ver este circo de pequenos no asfalto se transformar num Cirque du Soleil.