Protestar é preciso.
Viver é preciso.
Equilibrar-se na ponte que liga opostos, também.
Não é mais possível que, ante os poucos meses que antecedem a realização da Copa do Mundo, protestos ocorram com a intenção de eliminar uma questão já parida.
A Copa está aí, a poucos passos de ser transmitida ao mundo e não há muito o que fazer, a não ser colocar botão na casa e remendar o rasgo.
Seria interessante o brasileiro interceder politicamente e deixar os ingressos das Arenas para os estrangeiros. Gostaria de saber antecipadamente se isso é possível de acontecer ou se vai virar aquela zona com especialidade brasileira, onde a farra é fazer o que está na onda : a onda é protestar ? – todo mundo na rua ; a onda é torcer ? – todo mundo de camisa amarela, batendo no peito e chorando no gol.
Gostaria imensamente de saber se os mesmos que desmerecem a organização, as obras e a realização dos jogos estarão presentes em viagem de turismo para as cidades onde haverá campeonato. Como eu acho que as coisas não caminharam e não estão caminhando a contento, assistirei aos jogos na minha casa, com amigos, se possível, e torcerei para a nossa seleção.
Deixarei as cidades escolhidas para que os estrangeiros as conheçam e levem o melhor de cada uma delas. Deixarei metrôs, táxis, ônibus, museus, parques, ruas limpas e ficarei na minha casa no dia dos jogos. É o que todos os brasileiros, em protesto limpo e sem bagunça, deveriam fazer para que a nossa Copa fosse veiculada pelo mundo como a mais organizada, mais limpa, sem furtos nem crimes contra a vida, como todos queremos que seja.
Todos queremos o que pensamos que outros países têm de sobra. Mas não somos europeus, nem americanos, nem acredito que os países da Europa e os Estados Unidos sejam os baluartes da honestidade e da grandeza moral. Não é possível comparar prisões suecas com prisões brasileiras. E não ensinamos a Alemanha a corromper, assim como não nos afastamos de ser corrompidos.
No correr destes anos pós ditadura, fomos aprendendo a lutar contra diferentes sintomas da legião de partidos que pululavam num balaio sofrível e de difícil discernimento. Ideais partidários foram deixando de existir e fomos pegos numa mistura caótica, onde o que passou a ser admirado foi a figura do homem forte do partido. Mais uma vez , estávamos voltando ao passado do Império, querendo um homem forte: Washington Luiz cortando estradas para melhorar o escoamento do campo; Getúlio Vargas movendo o povo pobre do campo para as cidades com o incentivo da lei trabalhista – na cidade; Juscelino levou a capital para o cerrado, mas trouxe as montadoras e deixou o homem do campo mais pobre e mais escravo do senhor rico das grandes fazendas. Pequenos agricultores empobreceram e acabaram saindo dos lugarejos e adoecendo nas cidades, fazendo crescer, nos anos 60, a favelagem vertiginosa.
Iniciados os ideais partidários inexistentes, a contraposição do esforço feito pelo antigo governante tinha que ser contrariado para obedecer ao automatismo da vaga no próximo mandato.
A conclusão a que chegamos é que temos este vício frenético de enredos cíclicos, adoramos tratar mal o que temos no hoje e achar que o antigo era o melhor, quando fizemos exatamente o mesmo no mandato do antigo.
Ao delegar a ditadura para as trevas – e o lugar dela é nas trevas mesmo – resolvemos que um homem fino, de família nobre ( sim, porque gostamos do modelo feudal, transmudado para o coronelismo daqui...) como o semideus Fernando Collor, admitimos o erro e o tiramos do poder com os caras-pintadas. Elegemos um outro homem de intelecto, Fernando Henrique, que hoje é tido como deus, esquecendo-nos que à época havia embates políticos internos e compras de votos para que a sua idéia de liberalismo e venda das estatais fosse aceita na Câmara.
Hoje, execramos o metalúrgico que, para governar em meio a tantos coronéis que sempre se acharam donos do país, teve de apertar a mão e selar acordos e barganhar ministérios para que seus projetos viessem a lume.
Somos iguais, sempre.
A Copa, ou qualquer outro evento, não mudará o que durante anos foi esquecido pelos nossos governantes.
Quem dera as ditas Classe A, B, C, D ou E pudessem ter suas consultas e seus médicos e dentistas marcados no mesmo hospital, na mesma clínica do bairro, com o mesmo padrão de atendimento para a saúde de pessoas que são iguais, afinal. Todos temos pneumonias, dengue, cânceres atrozes, mamografias por fazer, dentes a tratar, tomografias e acidentes vasculares. Aquilo que foi criado em lei como saúde pública, deveria ser espalhado por todo o país, sem sombras nem diluição do dinheiro federal direcionado e maltratado no caminho até a vila dos confins.
Acabou o momento de luta contra a Copa. Depredações e crimes como vistos hoje em São Paulo não têm mais razão de ser. Estamos trazendo a Ucrânia entre nós, misturando alhos com bugalhos e açoitando o que, na verdade, deveria ser discutido com as armas que temos. Nossa arma é de silêncio na hora certa, pois nossas reinvidicações são de questões morais, não de dissociação de terra ou litígio de fronteira.
O veneno diário que ingerimos nos traz o amargo do que há de pior na política e na imprensa direcionada mais para denegrir do que explicar. Melhor seria se uma pessoa só resolvesse questões de um país, assim teríamos um só culpado – mas resolver um país requer, pela própria Constituição, a união de instituições, não cabendo a solução por um Poder somente.
Soluções teremos quando não tivermos um povo sem leitura, cujos filhos passam batido no coitado do Tiradentes, sequer sabem quem foi Thomás Antônio Gonzaga, nem Marília, confundem Pedro I com Pedro II e nem sabem quem era a Marquesa de Santos e nem que ela tinha bigodes. E nem que nada. Talvez saiam protestando de roupas pretas e máscaras, sem saber de movimento punk, o que aconteceu no mundo em 1979 com a crise do petróleo e nem porque cargas dágua Bin Laden fez o que fez e por que Afeganistão ???
Estou desgostosa com a educação? Sim, estou.
Por isso escrevo, pois meu protesto é silencioso e, com tanta coisa passando pela cabeça, não dá para atirar pedras por aí.
JANEIRO 2014