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SER FILHA É...
SER FILHA É...

 

 

Tecer uma colcha de retalhos. Escolher pedacinho por pedacinho do tecido mais colorido e cortar, pensar no que orna com qual, alinhavar, olhar de longe para sentir o efeito, passar a costura à maquina, olhar de perto para rever os defeitos e fazer tudo de novo com o próximo quadradinho de tecido. É um tecer que não acaba nunca. Porque cuidar, acarinhar, rever a lista e horários de remédios, olhar de canto de olho se comeu bem ou não, sentir de pronto se há algo errado, é um tecer eterno de paciência, de abdicação, de coragem absoluta e sentido de dever. Cumprido ou não. Nem sempre o coração da filha a ajuda. Muitas vezes ele, o coração da filha, sofre com o medo de errar. Sofre com o medo de esquecer do mais importante para satisfazer os desejos dos pais velhinhos e falhar na busca incessante do querer bem.
Ser filha de pais idosos é armazenar nas células as histórias que o tempo contou em anos-luz de aprendizagem. É guardar na lembrança a capacidade de trabalho, força e determinação que tiveram e souberam repassar ao longo da vida - e agradecer por isso.
Olhar nos olhos enrugados, que ainda preservam o cenário da juventude nas histórias que contam, é mergulhar num mundo de possibilidades que faz nascer a esperança de que também poderá usufruir do passado para viver a curva da velhice.
A colcha de retalhos cresce, é infinita, e nada é capaz de deter o processo de cuidado para que se estenda cada vez mais, mais um pouquinho, um pouquinho só. A saúde dos pais da filha é o que importa, vê-los felizes é o que faz os dias parecerem pequenos demais; as pequenas coisas é que movem os pés, braços e coração para que cada detalhe se amplie e satisfaça os corações dos pais.
O retorno, às vezes, é singelo. Os olhos idosos pairam num momento de saudade, de tristeza, de recordação. E nada há que se fazer para que essas dores do tempo passem com o seu agrado de filha. Há apenas a espera, a expectativa que amanhã o sol brilhe no encanto dos dias que os olhos voltam a buscar.
Na escolha do pedacinho de tecido que mais combina, a colcha toma sua forma e enche os olhos da filha. Os retalhos são costurados e o efeito gera pura beleza. De ponto em ponto, de alinhavo em alinhavo, a criação para a felicidade dos pais idosos vai sendo construída.
Assim é a vida.
Se ser filha é tecer a colcha com todos esses cuidados, ser filha única é tecê-la sem divisão de tarefas. É sentir sacudir todas as células para que o dever e o amor sejam determinantes e diretos, para que nada falte aos pais idosos. É sobreviver a sobressaltos e correr uma maratona a cada dia. É tentar, sempre, convencer a si mesma que tudo vai dar certo.
E vai.