INTIMISMO VINTAGE
Hoje, faço parte de uma conquista meio indefinida.
Não sei se o que me prende ao planeta é a força centrífuga ou se é a minha inquietante necessidade de viver coisas novas. Acredito acumular uma série de indagações meio sem sentido, como se sempre tivesse uma carga enorme de sensações contraditórias invadindo as minhas pernas e braços, orelhas e narizes, bocas e fios de cabelo.
A conquista não se definiu, talvez, em função de termos exageradamente exagerados que faço questão de ter sempre em quantidades suficientes para me manter abastecida por algum tempo. Termos que conduzem meu pensamento – e ele (o pensamento) tão e de tantas formas pessimista demais – a um vazio constante, fazendo de todas as situações que abalam a minha vida com frequência um depósito de autodepreciação, um combate interno seriamente arquitetado para me fazer desmilinguir diante de tudo.
Raramente estou à par das decisões acertadas entre o coração e a razão – e talvez seja este o motivo de tanta anomalia. Considero-me, muitas vezes, um sério complexo paraplégico, com tendências súbitas à necessidade súbita de muletas e de, em algumas tediosas ocasiões, cadeira de rodas. Caso raro, já considerei cadeira elétrica.
Hoje, entardecida, manifesto meu desagrado perante meus deslizes ( talvez emocionais, talvez não) , sabendo perfeitamente que amanhã ou depois ou até mesmo dentro de quinze minutos ou menos, estarei convencida de que tudo não passou de mera melancolia – uma melancolia ignorante demais, desinteressante demais para ser suportada sem a opção de acordo. Corresponde. Tudo faz jus à incoerência chocante que produz todas estas letras, estas palavras sem nexo, sem chão e sem poder nenhum. Acabo perplexa, com um sentimento de admiração pelas coisas que penso e digo e escrevo, pois sinto que, ao fim, penso.
Compreendo, com a estrutura lacônica do pensamento furtivo e dócil, que minha vida compreende atitudes que ficam entre o confortável e o reconfortante. Muitas vezes, não chego a entender o que é melhor para mim, o que me é mais interessante, o que vem a calhar, o que transborda, o que é grave ou o que deixa de ter consequências passíveis de punição. Meus ossos giram como bola de neve, acumulando resíduos estranhos em torno do meu corpo, consumindo quilos de energia em função das idéias – que habitam um interior forte, embora completamente exposto às mais sérias turbulências.
Faço um esquema. Levanto a minha oca, carrego meu arco, manejo com certa facilidade minha flecha e parto em busca do campo de batalha, fazendo um cerco irresistível aos pobres soldados de um general qualquer.
A contradição é tanta que, mesmo tendo a convicção indígena da luta pela terra, permaneço por vários minutos incendiada pela visão da matança, empunhando meu arco e flecha com certa relutância, pensando comigo mesma na possibilidade de Deus me ajudar na escolha de lado. Por isso, acho que deixo meus algozes soldados morrerem sem a minha ajuda ; deixo meus índios patrícios comemorando a vitória e escalo a montanha mais próxima, revelando publicamente meu complexo de fuga.
Sorrio diante da cena, como quem sorri diante de uma taça monumental de sorvete.
Tento conferir a mim mesma um pouco de hombridade e o que acontece é que tudo se torna, repentinamente, escuro. Passados alguns segundos, o ambiente se ilumina e o saco de pipoca está ligeiramente vazio, o sal em minha boca tem sede e eu me desfaço na multidão eufórica de uma saída qualquer de um cinema qualquer.
A conquista de um oeste longínquo e a minha própria conquista se unem e seguem numa mesma reta, desafiando leis de imagem e de som, comunicando ao meu sentido irreverente de sensações pouco esclarecidas que minha vida me fascina ; que ela tem a grande propriedade de me fixar nela não apenas pela sua força ou pela minha vontade infame de sempre querer coisas novas e arriscar de maneira vertiginosa a minha mente mas, mais que tudo , porque eu sei que o risco se confunde com a conquista de uma estabilidade que por enquanto ainda não sei definir, apenas identificar.
Texto escrito em agosto de 1984