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MUDANÇA
MUDANÇA

 

 

 

Os meios justificam os fins.

Dizem que não é bem assim, que pensar desta maneira mostra um lado da personalidade que atrapalha a boa convivência. Mas, no caso de mudança de casa, tudo é justificável.

Começa pelo andamento inicial, onde as miudezas inúteis são as primeiras a entrar na caixa. São as mais bem embaladas, porque você comprou um rolo do seu tamanho com cem metros de plástico bolha e vinte caixas de papelão de tamanhos variados e pensa que o mundo está na sua mão. Os copos guardados para ocasiões especiais, mantidos em pleno vigor dentro da cristaleira, brilham e rolam naquelas bolhinhas fofas – e o sorriso permanece nos seus lábios. Você está feliz. Acredita que aquele dia ganho embalando todas aquelas peças foi um grande passo.

Nos dias que se seguem, depois de guardados em caixas os livros, as coleções de cinquenta ou sessenta anos atrás – Monteiro Lobato, Tesouro da Juventude, As Mil e Uma Noites, História do Brasil por Rocha Pombo! – você inicia um processo de excitação que beira a loucura. A casa continua intacta. As vinte caixas de tamanhos variados, etiquetadas e profissionalmente fechadas com aquela fita parda incrível, fecham uma parede da sala e nada, absolutamente nada, foi tirado dos quartos, dos armários dos quartos, da cozinha, dos armários da cozinha, nem da sala.

Logística. A palavra mais logicamente elaborada para resgatar o ânimo e tomar rumos mais audaciosos. Você não dorme. Pensa na logística dos dias seguintes. Não contente, pega um caderno e anota as primeiras idéias para a logística que vai mudar sua vida. Na verdade, o que muda a sua vida é a mudança.

No dia propriamente dito, após um mês de compra de milhões de metros de plástico bolha e mais não sei quantas viagens de caixas, chega o grande dia.

Como a casa nova é perto, praticamente um quarteirão, você acha muito contratar uma empresa especializada. Depois de tanto esforço, onde suas mãos empacotaram coisas já nem tão bem embaladas assim, você pensa num carreto qualquer que faça o serviço. Afinal, você também carregará caixas, roupas no cabide, sacolas cheias de tranqueiras que ficaram largadas, então, tudo bem. Só alegria. Esta é a fase da alegria. Você vai  carregar tudo, pois vai mudar.

Casa nova, novo lar, vida nova, muitas coisas novas, cheiro de felicidade no ar !

As primeiras coisas carregadas para dentro da casa nova são sempre as melhores : os melhores casacos, os vestido lindos de festa, os sapatos caprichosos, que vão diretamente para o armário novinho, cheirando a tinta, o closet cheirando a tinta – muita tinta. Misturados aos cheiros das tintas , tem os cheiros inusitados dos marceneiros terminando a instalação de portas, dos entregadores de sofá, dos incríveis içadores de móveis truculentos por fora do prédio, dos pedreiros. Aliás, pedreiros são pessoas adaptadas para não ter bom senso. Eles passeiam pela obra - já com ares de novo lar - com as mesmas botinas embalsamadas de gesso e lixam ! Lixam pedaços de paredes que consideram mal acabadas e não cobrem o sofá recém chegado ! A poeira fina cai sobre o tecido e você sorri, xingando um pouco e freneticamente empunhando o aspirador de pó que, depois de muito pouco tempo, pifa.

Logística e lexotan.

Chegam os homens do carreto contratado na esquina. Carregam as caixas como se fossem isopor vazio. Empilham tudo, ignorando as etiquetas tão bem colocadas(aquelas do começo), onde se explicava “frágil”, “fragilíssimo”, “livros” . Você, depois de muito cansaço e lexotan, brigas com filhos e marido, descobre o óbvio: aqueles cristais usados em ocasiões especiais estão nas caixas embaixo das caixas das coleções de livros pesadíssimas e as etiquetas voltadas para a parede. 

Logística nenhuma e lexotan, vários.

Você também descobre que está com o cheiro dos carregadores, marceneiros, pedreiros.Seu cabelo perdeu o viço. Sua alma está em frangalhos e seu corpo, dormente. Rugas começam a aparecer e você se considera um caso perdido.

Depois de quinze dias desembalando as caixas, guardando coisas e sofrendo a paranóia de que seu cachorro não vai perder o costume de fazer cocô em cada cômodo e xixi em todos os tapetes, você, tenha certeza, começa a viver as delícias do apartamento novo.

Do lar novo, enfim.

Perder as esperanças? Nunca.

Os meios justificam os fins ? Sempre, pois não há mudança que se aguente sem logística e lexotan.