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O BEM E O MAL
O BEM E O MAL

 

 

 

Quando Deodoro da Fonseca achou por bem arrancar das nossas raízes a monarquia e trazer à luz – depois de muitas negociações e poucas resoluções práticas – a República, ele não devia imaginar que a população serviria para perpetuar a espécie reinante, transformando os políticos eleitos em reizinhos da nova guarda.

O coronelismo esbanjou decretos regionais, ceifando cabeças ao menor  sinal de antagonismo. Os poucos  eleitores – homens e ainda letrados,  no seu início – representavam a grande massa de prejudicados pelas leis de sintonia oligárquica, em que as famílias “nobres” perpetuavam seu poder  através do nascimento. Na verdade, ninguém segura a vontade do poder absoluto, a mania de ser rei e transferir o posto aos filhos.

Esta questão perdura quando discutimos o público e o privado. Famílias de renome reforçam a duradoura política familiar. Há – e sempre houve – uma mistura sórdida entre o bem público e o privado, contrariando todas as expectativas de uso democrático do patrimônio. No século XX, isso tudo era dito no formato literário, nas confissões da mocinha do romance nos periódicos. Graciliano Ramos forneceu uma cadelinha para diagnosticar a tristeza e o desleixo deixado para o pobre do sertão, corroborando com a insensatez do coronelismo. Jorge Amado, então, enriqueceu de vez nossa literatura com os desmandos dos grandes homens, abrindo a mente das gerações para a convenção do poderio oligarca.

E assim ainda é.

Estamos prestes a celebrar os 60 anos de José Sarney na política brasileira. Seus filhos são herdeiros de seus créditos na dinâmica feudal da engrenagem dos partidos. O continuísmo é o pedaço amargo que nos cabe como cidadãos republicanos sem, na verdade, usufruirmos do melhor, que é a escolha. Escolher não é tão fácil como se supõe. Escolher implica o comprometimento e o equívoco que se desdobra dele quando as noções básicas de conduta são amorais. O Norte e Nordeste do nosso país têm o histórico das condutas tacanhas, com o enriquecimento de distintas famílias e emprobrecimento das populações moradoras de casebres e sobreviventes à falta de água, saneamento e alimento. No caso do Maranhão, terra dos Sarney, se todo o dinheiro conseguido através de seus mandatos e suposta proteção aos seus conterrâneos tivessem seguido o rumo certo, o Estado seria o mais rico e mais estruturado do país. Temos o contrário, claro. Assistimos toda espécie de desaforo com o dinheiro público e a família subsiste no poder, atrasando seu próprio povo.

Nas várias obras literárias e na nossa história aprendemos, com riqueza de detalhes, como a velha guarda da politicagem nacional acorrenta os novos pretendentes a mudar os rumos do país. Os novos sempre cedem ao poder dos velhos, pois precisam ser incluídos no rol das prioridades a fim de exercerem seu papel. São cartas marcadas há tempos, por isso nossas escolhas são impiedosas, míticas, quase um parto – temos a impressão de que são todos iguais. Político é tudo igual porque passa pelas mesmas mãos há muito tempo. Tempo demais. Por que não mudar isso tudo e, como simples idéia de varejo, proibir que políticos voltem a se eleger? Desta forma, acabaríamos com os políticos de profissão, que é o que temos no momento.

Em suma, as aventuras de Aécio Neves e seus aeroportos, com principal atenção para aquele que, feito com dinheiro público, tem o portão fechado a sete chaves, não deveria nos indignar. Também não deveria causar indignação uma resposta subliminar dada por ele, Aécio, aos repórteres, quando disse que tantos benefícios fez em tantos aeroportos, que aquele – o da família – não deveria ter importância.

Assim pensam nossos políticos. Assim pensamos nós. Voltemos ao público e privado e reconheceremos a alma luso-indígena que nos acomete nos  padrões diários de pensamento. Talvez pensemos: “ah, mas ele pode! O avô dele foi Tancredo Neves!” E voltamos a obedecer o universo feudal; voltamos a servir como súditos fiéis; voltamos a apertar a mão dos poderosos – porque assim deve ser, assim conseguimos nosso pão.