Ao rever fotos do passado longínquo, consigo entrever a minha real personalidade.
Fotos refletem períodos em que somos, diferentemente dos animais, dependentes dos pais e da personalidade deles. Somos o reflexo dos nossos pais enquanto estamos no colo, aprendendo a andar e até que disponhamos de meios para a nossa própria escolha e independência para tomar banho, trocar de roupa e comer sem fazer lambança.
Percebi que, durante o curto tempo da infância, vesti-me com o charme “cool” próprio dos meus pais, que assim se vestem até hoje.
Percebi também que escolher roupas é uma questão de personalidade e vai além do que se aprende, do que se quer ou se pretende.
Eu, definitivamente, não consegui aprender a me vestir como eles. E, por mais que queira, tente ou enxergue nas roupas o que é bonito nos outros, não consigo expressar o mesmo em mim.
Já faz um tempo que descobri que não me visto, mas me fantasio.
Todos os dias, ao acordar – e como acordo, como quase todo mundo, cada dia de um jeito diferente - , me visto com o requinte da inspiração do momento, olhando para as roupas não com praticidade e informação de moda, mas como elas me representarão durante o dia. Aquele dia. Especialmente.
Então, a coisa pega.
Perto da época do Carnaval, como fico extremamente empolgada, acabo me vestindo como se estivesse indo a um baile todos os dias. Visto golas extravagantes, mesmo que me dobrem de tamanho; misturo colares, o cabelo fica diferente do de outras épocas, apelo para um bom humor especial.
No Natal, viro uma Mamãe Noel, capricho nos vestidos largos, aproveito que é calor e me farto nas cores – sou uma árvore de Natal ambulante, iluminada, florida e frondosa.
Num certo almoço de aniversário, cheguei a me espantar quando cheguei na festa : estava de cowboy. Só faltou o chapéu. Num encontro dos amigos da minha filha, em casa mesmo, para recepcioná-los, meti-me num vasto vestido franzido de flores e, insatisfeita, talvez para combinar melhor, calcei uma sapatilha que tinha as mesmas cores da roupa, fazendo um composê comigo mesma.
Em outro almoço, desta vez de batizado, pus-me toda de babados e brilhos, enquanto todos da festa estavam o mais “cool” possível, de bermudas e sainhas, roupas felizes – e eu, naquela infelicidade de escolha. Não que eu fique triste ou desmaiada num canto, arrependida pelo assombro em que me vejo. Mas percebo este meu lado lúdico e penso que será melhor não exagerar da próxima vez.
E exagero. Sempre.
No caso do almoço em que me transformei num cowboy, tive pena do meu marido. Descobri que ele percebe que é fantasia, que acordei com disposição para domar cavalo naquele dia, ou para vender flores na esquina no outro. Ele me entende, coitado.
Hoje, olhei para o meu guarda-roupa com olhos críticos : não tem uma única peça que combine com mais do que uma outra peça. Cada vestido, cada blusa, cada calça, tem um significado diferente, uma proposta diferente, um mundo diferente. Se, por acaso, misturar aleatoriamente, vira fantasia. É um guarda-roupa colorido, como uma vitrine de decoração de festas infantis.
Enquanto estive nas mãos da minha mãe, fui preservada da minha própria intenção em relação ao que vestir. Vejo isso nestas fotos antigas, onde estou vestida com a sobriedade que sempre quis ter e não consigo. Quando virei adolescente, já assumi este lado pictórico, pois as fotos sugerem que num dia eu era bicho-grilo, no outro surfista, no outro mocinha, no outro perua, no outro desencanada e no outro....bem, lá estava eu fantasiada de novo.
Lembro-me de, aos vinte anos, ter combinado com uma amiga de ir à boate do clube vestida de “vamp” - na época, “vamp” queria dizer sexy, perua, algo assim. Pois nos metemos em vestidos pretos justos, fizemos uma maquiagem maravilhosa e adentramos ao ambiente segurando piteiras – leia bem – piteiras com os cigarros jorrando fumaça a nossa volta. Caos. Mas foi uma das noites mais divertidas. Na minha imaginação, estava perfeitamente encaixada em Gilda, a personagem em que Rita Hayworth fez-se imortal.
Trajar-se como personagens dá uma certa comodidade, permite aberrações com desculpas antecipadas. Muitas vezes, me visto como Mary Poppins. Conforme a bolsa, é perfeitamente possível crer que dela saiam abajures, vasos com plantas e guarda-chuvas. Na verdade, tenho um primo que me chama de Mary Poppins.
Nos anos 90, meus cabelos estavam curtos e ainda pretos quando meu filho me viu finalizando a maquiagem com o batom vermelho e me disse, na inocência dos seus sete anos, que eu estava parecida com o Michael Jackson. De fato, com aqueles lábios carmins e os imensos botões dourados no casaquinho preto, a maneira mais fácil de sair da frente do espelho era colocar um par de luvas de strass e improvisar o moonwalk.
Força de expressão ou não, o “ter personalidade” envolve muitos apetrechos e lidar com eles é um caso de merecimento. Tem gente que nasce talhada para merecer o privilégio de estar sempre impecável em todas as ocasiões; tem gente que olha e transmuda, como num passe de mágica, aquele olhar em maravilhas com que se vestir – como Coco Chanel e seus colares que, em mim, se transformam num modelito Carmem Miranda em Hollywood.
É. Ser “cool” e chique é para poucos.
Particularmente hoje, estou fina : calça e sapatilhas pretas, casaquinho cinza de corte reto – tudo presente da mamãe....