Feliciano é o pastor-deputado-carente da Comissão de Direitos Humanos, conhecido mais como agente da infelicidade da nação pelas suas idéias contraditórias e inúteis.
Mamãe é um personagem real também, conhecida com certa restrição no seu meio social e em parte do caminho por onde anda.
Ambos conseguem me tirar do sério.
Conversa no restaurante:
- Silmara, fulano é viado.
- E daí, mãe?
Pausa para conexão.
- Se você, quando seu filho tinha 10 anos, percebesse que ele era meio viadinho, o que você faria?
- Mãe, acho que eu iria conversar com ele...
- Só? Eu, no meu modo de pensar, ia chamá-lo e falar: ei, o que é isso, menino, você tá ficando viadinho, agora ?
Olhares trocados.
- Não, eu não chegaria deste modo, mas conversaria a respeito como se deve com uma criança de 10 anos...
- Você levaria o menino num médico ?
- Que médico, mãe?
Pausa para reflexão.
- Aquele que você me levou ontem!
- Mas aquele que eu te levei, mãe, era dermatologista.
Jogo de cintura:
- Sim, sim, não digo exatamente ele, mas um outro...
- Um psiquiatra?
- Isssssso!
- E pra quê, mãe ?
- Pra curar o menino, dar um jeito nele, fazê-lo entender que a vida não é assim...
Mamãe estava indignada com o suposto neto viado, inventado como tudo que ela inventa para fazer parte de um quadro de exemplos onde ela se mantém explicativa.
Mas nem acho ruim. Hoje, nem acho mais tão ruim que ela, uma mulher de oitenta anos com limitações na linha do tempo e choque cultural avançado, pense da maneira como pensa, como reage a certas manifestações explícitas de uma Daniela Mercury e outras personalidades artísticas que levantam a bandeira da liberdade. Nem acho tão ruim, porque escuto e leio tantas aberrações ditas por pessoas tão mais jovens e tão menos alheias à sociedade mutante que vivemos, que aceito trocar conversa para sentir até onde ela chega.
- É muito triste para uma mãe ver um filho virar viado.
- Não fala assim, mãe, é chocante, fala “gay”.
- E não é a mesma coisa?
- É, mas é uma palavra mais doce.
Pausa para conexão.
- Se você tivesse um filho “assim”, você aceitaria ?
- Claro que sim, não tem como não aceitar...
- Como não?
- Porque as pessoas nascem assim, já são, não se transformam do nada!
- Ah...você acha que viado nasce viado?
.....
- Acho que sim.
- Então não dá pra chegar e dizer: porra, menino, sai dessa, vai achar uma namorada?
.....
- Não, mãe, acho que não dá.
- E por que não ?
- Porque o homem que é homossexual ou a mulher que é homossexual vai se sentir infeliz pelo resto da vida se não puder manifestar-se do jeito que é...
Conexão de neurônios. Resposta muito longa.
...E não tem cura ?
- Não tem cura, mãe, porque não é doença. A senhora não viu nas manifestações de rua, quando as pessoas colocavam em cartazes que “gay não é doença” ? Então.
- Mas, porra, é muito difícil para uma mãe ver o filho assim, viado...
Pausa para rebobinar.
- Mãe, as pessoas têm que ter uma vida só, não uma vida dupla.
- Ãhn ?
- Quando um homem e se apaixona por um homem, nem por isso deixou de ter família. A mesma coisa acontece com uma mulher.
- E daí ? Azar o dele ou dela. Escolheu assim!
- Mas as pessoas que se amam precisam conviver normalmente com família, amigos, então precisam ser aceitas nas suas necessidades!
- Ah, foda, hein?
É complicado e dificultoso para uma senhora que tem o perfil moral de sessenta anos atrás, quando tudo era enrustido e pouco falado. Quando a sociedade maquiava suas proezas usuais e vivia a vida que era permitida para ser aceita e, num mundo paralelo, costurava seus retalhos de vida nem sempre feliz ao lado dos seus.
Hoje, o mundo é mais simples. As vidas vêm sendo divididas com a comunidade, discutidas num plano de diversificação que derruba conceitos arrastados desde os 1800, quando a sociedade ocidental se instalou num programa de preservação da moral e bons costumes.
Foi certo durante um tempo, quando as moralidades precisavam se espalhar e assentar a família como base da sociedade que buscava cultura e bom senso.
Estruturada esta parte, quando sabemos que a família é a nossa fonte de inspiração para tudo o que fazemos e criamos ao longo da vida, voltamos a discutí-la.
Dois pais podem criar um filho? No meu conceito, podem. Como dois tios podiam criar o sobrinho que perdia os pais numa tragédia.
Duas mães podem criar um filho ? Podem, do mesmo modo, como muitas famílias de hoje não dão conta dos próprios filhos e deixam um deles para ser criado pela tia solteirona e pela avó. Nada do que o mundo já não tenha. Nada que não possa ser disposto num papel e revertido em lei.
- Não, mãe, não é tão ruim, não.
- Você acha que não é ruim ?
- Não. A gente tem que começar a pensar num mundo menos sofrido, mãe!
- É...
Café.
- Mas aquela Daniela é ridícula, não, Silmaraaa ?
- Mãe, a gente já passou deste ponto.
- Mas e se você tivesse um filho que, com nove ou dez anos, começasse a ficar com jeitinho de viado, o que você faria ???
Pedi a conta.